14 Outubro 2017
Antigamente, as pessoas brincavam que os registros de batismo católico dobravam com o aumento da adesão ao Partido Democrata. No entanto, nas últimas eleições, pelo menos metade dos católicos estadunidenses que votaram escolheram os republicanos.
O comentário é do padre missionário William Grimm, editor da Union of Catholic Asian News (UCAN), em artigo publicado por La Croix International, 10-10-2017. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
Os católicos estadunidenses têm tradicionalmente apoiado o Partido Democrata, mas uma combinação de intransigência episcopal, políticas de aborto democráticas e condições primitivas para a sociedade estadunidense provocou uma mudança.
Se, como parece cada vez mais provável, for revelado que houve interferência russa nas eleições dos EUA no ano passado, Vladimir Putin não será o único eslavo a ter influenciado o resultado. A menos que os funcionários de Putin tenham literalmente manipulado as urnas, um polonês chamado João Paulo II desempenhou um papel ainda maior.
Antigamente, as pessoas brincavam que os registros de batismo católico dobravam com o aumento da adesão ao Partido Democrata. Os católicos que eram, em geral, trabalhadores urbanos e etnicamente identificáveis eram a espinha dorsal do apoio democrático.
No entanto, nas últimas eleições, pelo menos metade dos católicos estadunidenses que votaram escolheram os republicanos. Isso aconteceu de fato particularmente entre os trabalhadores étnicos católicos. O que aconteceu?
O primeiro fator, e talvez o mais importante, foi a nomeação por João Paulo II de bispos que chamavam a atenção por sua obsessão com a moral reprodutiva e sexual, ultrapassando a antiga oposição da Igreja ao aborto.
Para um candidato à ordenação episcopal, Humanae vitae, a "Epístola do Papa Paulo VI aos falopianos", teve tanto valor quanto o Credo. Esses bispos, em sua maioria, também compartilhavam o traço de intransigência de João Paulo.
Ao mesmo tempo, a liderança do Partido Democrata passou a apoiar cada vez mais o aborto como um elemento central da sua plataforma, um movimento quase calculado para alienar os católicos. Abriu-se, assim, uma fenda muitas vezes intransponível entre o catolicismo "oficial" e o partido. Mas, se ficasse nisso, seria possível algum modus vivendi.
No entanto, a intransigência episcopal estabeleceu-se firmemente quando o programa nacional de assistência à saúde iniciado durante o governo de Barack Obama exigiu que o plano de saúde fornecido pelo empregador fornecesse controle de natalidade artificial. O discurso dos bispos atingiu níveis de histeria. Parecia que um adolescente com um preservativo na carteira era equivalente, moralmente, a um comandante de um campo de concentração nazista.
Os bispos se opuseram ao plano de Obama dizendo que era um ataque à liberdade religiosa. Isso alimentou o racismo disfarçado de vários católicos "étnicos" em relação ao primeiro presidente negro e deu-lhes cobertura respeitável para expressar seus sentimentos contra Obama.
Além disso, atraiu esses católicos, juntamente com os bispos, a uma aliança peculiar com elementos fundamentalistas do evangelicalismo estadunidense. (O evangelicalismo estadunidense é mais amplo do que se caracteriza fora do país. Em algumas áreas - do meio ambiente e dos refugiados africanos, por exemplo - os evangélicos parecem estar mais em sintonia com o papa Francisco do que os bispos dos EUA.
Quando os bispos, liderados pelo arcebispo William Lori, de Baltimore, tentaram fazer que outros líderes religiosos assinassem a campanha "Fortnight for Freedom", quinzena pela liberdade religiosa, os únicos cristãos que assinaram foram os mais extremos do evangelicalismo. Claro, como não se usa a palavra "Fortnight" (que em português significa quinzena) no inglês dos Estados Unidos, talvez alguns que eram contra ou a favor não tenham entendido de que se tratava.
Os bispos que estavam liderando começaram a pedir a proibição de políticos católicos pouco deferentes (geralmente democratas) da Comunhão, sem apoio significativo dos outros colegas bispos.
Então, quando as questões de gênero, principalmente sobre homossexualidade e casamento homossexual, ganharam destaque na sociedade, os bispos alinharam-se, mais uma vez, aos fundamentalistas.
O resultado de tudo isso foi que o fundamentalismo estridente de um lado do evangelicalismo e os bispos católicos estridentes encontraram-se no mesmo campo.
Isso fez um número significativo de católicos bajular o Partido Republicano, que tinha se associado a evangélicos de direita desde que a "estratégia do sul" dos anos 70 direcionou os esforços do partido para apelar ao racismo endêmico dos Estados Unidos como forma de retirar votos de eleitores brancos dos democratas, especialmente no Cinturão da Bíblia (Bible Belt), onde predomina o fundamentalismo.
Enquanto tudo isso acontecia, as mudanças econômicas causavam golpes aos trabalhadores dos Estados Unidos. Quando eram jovens, havia um contrato tácito entre eles e o país. Basicamente, se concluíssem o ensino médio, não entrassem em confusão, fizessem o alistamento militar, um dia voltariam para casa para trabalhar ao lado dos pais numa fábrica e seriam donos de uma casa em seu antigo bairro.
Mas o mundo mudou. Em vez de se alistarem e irem para cantos exóticos do mundo por alguns anos, eles acabavam na guerra no Vietnã. E ao voltar para casa, muitas vezes com a mente e o espírito feridos, se não o corpo, não eram recebidos como heróis. E descobriam que a fábrica de onde o pai tinha tirado o sustento durante a vida toda de classe média confortável havia fechado e os empregos já estavam fora do país.
Eles honraram sua parte do "contrato", mas as regras haviam mudado no meio do caminho. Para os que não estavam atentos às tendências econômicas mundiais, parecia uma traição. Mas quem havia os traído?
Foi aí que a natureza basicamente primitiva dos Estados Unidos assumiu o controle. Assim como em sociedades primitivas em outros lugares, a sociedade estadunidense conclui que, se algo ruim acontecer é porque alguém está causando o problema. Há culpabilização pessoal. Em vez de feitiços, temos delitos, e nossos curandeiros são chamados de advogados, mas o fenômeno é o mesmo.
A solução é exorcizar o mal. Não é preciso muita criatividade para imaginar os estadunidenses procurando alguém para processar em caso de terremoto.
E os republicanos identificaram os malvados: os LGBT, imigrantes ilegais, países estrangeiros, refugiados, hispânicos, muçulmanos, grandes corporações, intelectuais instruídos nas costas leste e oeste e, tacitamente, os sempre úteis bodes expiatórios, afro-americanos.
Os bispos intransigentes de João Paulo II (e, depois, de Bento XVI) e os Democratas igualmente intransigentes que tornaram o aborto no teste decisivo para adesão ao partido desfizeram os antigos laços entre os católicos e o partido.
À medida que os bispos se afastaram progressivamente de posições geralmente identificadas com protestantes evangélicos fundamentalistas, eles engendraram uma atmosfera em que esses evangélicos podiam parecer mais alinhados com o pensamento católico do que outros grupos políticos, como os democratas.
Portanto, quando as pessoas cuja certidão de nascimento parecia dizer "democrata" começaram a buscar as forças do mal que haviam os traído, estavam prontos para ouvir um Partido Republicano que se tornou o braço político do protestantismo evangélico fundamentalista.
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Por que os católicos nos Estados Unidos voltaram-se para a direita? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU